Oi, Sr. Leão.

Os últimos dias foram de muitos buscados e alguns bons achados. Entre buscados e achados minha cabeça perdeu espaço de vazio para te dizer do mundo. Mas tô aqui.

E por falar em espaço, já contei da alma das pedras?

Acolá de onde o mar vai quebrar, pisando pisando, tem chão de pedra. Depois das oito, nove horas, o mar encurta de vazante para banhar as pedras de sol. É nessa hora que Vanda chama seus filhos para catar polvo.



buscando o esbranquiçado de areia. Isso é sinal de que tem polvo se escondendo. Achando se espelha o fora da loca com siri ou outro polvo já catado. Chama fiiuuu fiiiiuuuu pra sair. Às vezes sai e Vanda cata. Às vezes fica desconfiado e não sai. Nisso Vanda enfia a mão na loca pra catar na unha. E cata. Seu catar vira cuzcuz, com arroz ou ensopadinho com verduras. Vanda engorda a alma da gente.

Uma fábula de existência:

Era uma vez um canto, cheio de seres de tudo quanto é formato, cor, necessidade, tamanho. Tinha uns que eram enormes. Tinha outros tão pequenos que pareciam nem existir. Mas existiam. Por serem tão pequenos, fizeram comunidades para ter mais chance de esticar a existência. E assim viviam os grandes e os pequenos. Uns seres, nem grandes nem pequenos, precisavam garantir a sobrevivência matando outros seres. Natural. Para fazer isso inventaram muitos jeitos. Tinha jeitos que só tirava a vida que ia alimentar a própria vida deles. Mas tinha jeitos que matava vida demais. A vida daquelas comunidades tão pequenas que pareciam nem existir. Mas existiam.  Os seres nem grandes nem pequenos tinham muita pressa de existir. Como esses jeitos, de matar vida demais, eram rápidos, usaram. Até chegar o dia em que as comunidades não existiam mais. E olha como a vida é misteriosa: A presença dessas comunidades não era percebida, mas a ausência foi. Depois que morreram o canto todo morreu também, como morrem as dunas quando perdem suas botijas escondidas, E como depois da morte sempre vem um pouco mais, tudo mudou no mundo. Mas isso já é outra história.


Mesmo quando temos muito poder de fora. Creio até que o poder de fora diminui o poder de dentro. Mas quando as pequenas comunidades se juntam podem ficar fortes dentro e fora. Assim como quando o mar se junta pode fazer um país inteiro virar mar também. Sendo bom ou ruim, poder sempre pode.

Na paradinha do café,

Meu amor, você não sabe quem eu acabei de encontrar: Zeca Pagodinho! Esquentando a nova caixa de som do Grupo de Mulheres.

Suspeito que também aqui, mesmo quando só sobra o bagaço da laranja, o povo canta sem vacilar, sem se exibir, só pra mostrar que também faz parte do tempero. E como faz.

Eu aqui, e acolá da areia pescadores me pastoreando. Cada um inventando o outro.

Depois do sol

O óbvio é meu brinquedo favorito.

Meu amado Sr. Leão,

Conheci o Seu Luís
Um homem de verso bom
Me contou que nos seus versos
Ele tirava era som

Explicou que a maneira
De violeiro ganhar
Era juntar povo todo
Pro chapéu colaborar
Cada um dava um tanto
Via a viola cantar

Disse que só parou
De fazer a cantoria
Porque a Dona Tereza
Não gostava da folia

Então resolveu guardar
A viola, sim senhor
Que desses versos nenhum
Valia mais que o amor
Mas ele me disse isso
Com o olho cheio de dor

Desconheço porque D’ Tereza
Não gostava da viola
Talvez nem ela mesma
Saiba o porque disso agora
Têm umas coisas que ficam
Têm outras que vão s’embora

Já no meu caso te digo
Com muita satisfação
Verso que faço e refaço
É tudo pro meu Leão

Quando o sol azular
E o mar endurecer
Quando elefante voar
E a lua apodrecer
Nem se chegar esse dia.
Vou esquecer de você.

Beijo,

Olha, Sr. Leão,

Hoje será o primeiro encontro só com os participantes do Laboratório.

Conheci a Aldênia. Veio da renda de bilro da comunidade de Maceió. A almofada de bilro é brinquedo de fazer renda e música.

Ah! Senhor Leão. Queria muito que você estivesse aqui.

Xeru,
Borboleta.

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