Gosto bom o de ser brasileira e nordestina! Os moradores daqui são protagonistas. Bordam suas histórias. Eles resistem juntos a uma realidade feita de grilagem, especulação e outras modas que você deve bem conhecer nessa selva feia que te coroa rei.

Escrevo do alto de uma duna, de frente para uma praia. A luz do dia acena tardinha, dando passagem para o cobertor da noite.

55 famílias. 50 casas. Nel disse que, antes do fim do mês, já saberei o nome de todos. Penso no nome do projeto: De Onde Viemos; Quem Somos; Para Onde Vamos. Como se desenha uma existência?

O Nel falou que aqui as rezadeiras estão morrendo. Para virar rezadeira você dorme, sonha que é e acorda sendo. Precisamos aprender isso: dormir, sonhar que é e acordar sendo.

Aqui, as pessoas têm pele cor de barro e olhos cor de índio. Você tem o olho melado de Brasil, e sua pele também é cor de barro. Será que, além de ser do mundo inteiro, você também é daqui? Dessa terra em que, no meio de tantos nãos, o povo sonha com sim e acorda sendo?

A lua já sorri, como quem sabe de algo mais. O céu já aveludou. Hora de achar o caminho.

Beijo,
Borboleta.

Depois da tapioca, mesmo dia,

Querido Sr. Leão,

Você sabe o nome das estrelas?

O Nel sabe. E é pra lá que ele olha quando está no meio do mar, coberto de noite. Tem uma que brilha muito e se faz guia de pescador. Senão ela, o Cruzeiro do Sul, que todo mundo conhece. Mas se a noite cismar de anuviar até o Cruzeiro do Sul, Nel olha mesmo é para o lugar onde as ondas correm. O lugar onde as ondas morrem. As ondas dormem na beirada de onde Nel plantou a vida.


O caminho de estrela derramado certinho pela noite, chama caminho do Bode. Só ficou o caminho mesmo, porque o bode, até hoje ninguém sabe onde está. Desconfiam que está atrás da lua, mas como ninguém tem prova de nada, fica o dito pelo não dito.

O mar está raleando por aqui. Correndo para o oco do horizonte. É o inverso da praia de Atafona, onde o mar cava o horizonte e empurra areia para os olhos da cidade.


Amanhã será a primeira reunião com algumas pessoas da comunidade. Falaremos sobre os “porquês”.

Beijo,
Sua Borboleta.

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